Há ainda muitos problemas pela frente, mas a sensação de estar num trem desgovernado passou
O Brasil tem rumo, o governo tem uma agenda e pela primeira vez em muito tempo as políticas fiscal e monetária combinam. Graças a isso tem sido possível apostar no recuo da inflação e, com segurança, baixar os juros básicos. Há ainda muitos problemas pela frente, mas a sensação de estar num trem desgovernado passou.
Em síntese, são essas as principais mensagens contidas num artigo e numa entrevista de dois economistas muito respeitados, publicados nos últimos dois dias no Estado. Dificilmente alguém poderia, com realismo, formular neste momento comentários mais otimistas que esses a respeito da economia brasileira e de suas perspectivas. Afinal, depois de anos de irresponsabilidade e desgoverno, o País começa a mover-se para sair do atoleiro da mais longa e funda recessão de muitas décadas.
O artigo, assinado pelo professor, consultor e ex-presidente do Banco Central (BC) Affonso Celso Pastore, revisita a história e mostra a enorme mudança ocorrida, recentemente, na condução das políticas monetária e fiscal. Durante décadas, o BC pouco pôde fazer para controlar a inflação e, portanto, preservar o poder de compra da moeda.
Ao contrário: foi usado regularmente, por muito tempo, para cobrir com emissões o excesso de gastos do Tesouro e garantir o crédito subsidiado ao setor agrícola. Durante a maior parte desses anos, o controle direto de preços pelo governo substituiu, sempre de modo muito precário, é claro, a função estabilizadora da política monetária. Isso durou até o começo dos anos 1990.
O artigo salta as experiências de estabilização fiscal e monetária iniciadas a partir do Plano Real, em parte bem-sucedidas, e chega ao período da presidente Dilma Rousseff, quando o voluntarismo dominou a política do BC e os juros foram reduzidos de forma irrealista, enquanto as contas públicas pioravam velozmente e a inflação ganhava impulso.
O contraste com as práticas implantadas a partir do ano passado é evidente. O BC manteve juros muito altos até surgirem sinais claros de recuo da inflação e de avanço no programa de recuperação das contas públicas, incluído o encaminhamento da reforma da Previdência. Criticou-se o novo presidente do BC, por ter aparentemente demorado a iniciar o corte de juros, mas a avaliação mudou rapidamente, escreveu Pastore, quando ficou claro que “Ilan Goldfajn optara pelo caminho certo”.
O artigo de Pastore saiu no domingo. Na segunda-feira foi publicada a entrevista de Armínio Fraga, presidente do BC na fase final do governo de Fernando Henrique Cardoso. Foram implantadas nessa fase as políticas de metas de inflação, câmbio flutuante e metas fiscais, componentes do chamado tripé macroeconômico, destruído na última gestão petista. As avaliações dos dois economistas se complementam. O BC, observou Armínio, “tem trabalhado bem e está encontrando espaço para reduzir os juros”.
Se o ajuste das contas públicas for mais veloz, acrescentou, o BC terá mais liberdade para administrar a política monetária. O quadro fiscal “ainda é extremamente preocupante, mesmo se contarmos com o sucesso na reforma da Previdência”.
Mas o ajuste é a única saída possível. Os problemas, no entanto, vêm sendo enfrentados e isso marca uma ampla diferença em relação ao governo anterior. A sensação de estar num trem desgovernado, a caminho do precipício, passou, resumiu o entrevistado.
A avaliação de Armínio foi reforçada com uma observação sobre novas políticas em áreas especialmente importantes. Não só no BC, mas também na Petrobrás, no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), na Eletrobrás “e em outros lugares”, há mudanças de orientação, já com resultados positivos. Há uma agenda com itens importantes, “como o controle dos gastos públicos e a reforma da Previdência”, e “impacto no longo prazo”.
As ideias de uma agenda, de um rumo e de um esforço de articulação de políticas compõem um cenário animador. Nada será fácil, mas a existência de um roteiro sensato e bem definido já é um dado extremamente positivo.
Fonte: ESTADÃO