Vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, o deputado federal paranaense Sérgio Souza (MDB) defendeu que o produtor rural seja tratado de forma diferente durante o debate sobre a Reforma da Previdência. O parlamentar informou que toda bancada é favorável à reforma, mas que ela precisa atender todos os segmentos da sociedade.
No caso do produtor rural, o texto original encaminhado pelo presidente Jair Bolsonaro à Câmara dos Deputados, determina que a idade mínima para aposentadoria será de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres. Além disso, deve haver um tempo mínimo de 20 anos de contribuição.
De acordo com Sérgio Souza, a proposta sofrerá alterações para atender toda sociedade. “A Reforma da Previdência é necessária, mas ela tem que vir para tratar os iguais de forma igual e os diferentes de forma diferente. Nós não podemos tratar todos de forma igual. Será que todos no Brasil, todas as categorias têm a mesma expectativa de vida?”, questionou.
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Leia a seguir a íntegra da entrevista concedida à imprensa logo após a reunião da Frente Parlamentar da Agropecuária que debateu a questão.
Repórter – Suas impressões sobre a Reforma no que se refere à área rural.
Sérgio Souza – Bom. Primeiro que reforma é uma pauta de todos os governos. Esta não é a pauta só deste governo. Isso vem de muito tempo. Nós aqui, da Frente Parlamentar da Agropecuária, fechamos questão em apoiar a reforma. Nós somos favoráveis à Reforma da Previdência. Entendemos que isso é extremamente necessário para o desenvolvimento do país. No entanto, temos algumas divergências. Nós temos ali alguns ajustes necessários a promover dentro da proposta do governo. Isso vai acontecer durante o debate na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, onde ao final teremos um texto a ser debatido também no plenário e depois no Senado Federal.
Nós vamos colocar, pela Frente Parlamentar, algumas posições da FPA. Elas estão aí, claro. A questão da aposentadoria rural, tanto no tempo de trabalho quanto no tempo de contribuição. E está também na taxação das exportações. Esta é uma preocupação muito grande do nosso setor porque globalmente não se exporta impostos e há um número do governo, entre R$ 7 bilhões e R$ 8 bilhões, que ele está colocando que há nesta desoneração da exportação e que o governo precisa alocar no caixa da Previdência. Nós pedimos um estudo, que está sendo elaborado, aonde a agroindústria que exporta – se ela tiver de ser taxada da forma como está hoje – ela pode optar pela folha. E se ela optar pela folha, esse número é muito inferior aos R$ 7 bilhões a R$ 8 bilhões que o governo está afirmando. Então, esse número também não é verdadeiro. O Rogério Marinho (Secretário Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia) vem à Frente Parlamentar e dará as explicações à bancada ruralista. E esse debate não encerra com a vinda dele aqui. Nós vamos instalar uma série de debates dentro do Congresso Nacional, não só na Comissão Especial, mas também nas comissões temáticas que tratarão do assunto, como a Comissão de Finanças da Câmara, da Agricultura, a CCJ naquilo que lhe competir. Então, todas as comissões permanentes também tratarão deste assunto na Câmara dos Deputados.
Repórter – Quem está fazendo esse estudo para a FPA?
SS – O IPA, que é nosso Instituto Pensar Agro, ficou de buscar a solução para que tenhamos esses dados. Tem que consolidar esses dados. São dados que a CNA (Confederação Nacional da Agricultura), o próprio Ministério da Economia, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) e o Ministério das Relações Exteriores vão nos passar para que a gente tenha esses dados de maneira correta. Acredito que a Receita tenha isso porque você tem os dados de todas as exportações e de quais exportações são desoneradas da questão previdenciária. Isso é um percentual do valor bruto da produção ou será um percentual sobre o valor da folha. E aí com a nova legislação, sobre a folha ficaria quanto? Esse número, segundo informações que já temos, é bem inferior ao número que o governo anuncia perto de R$ 7 bilhões que seria a desoneração.
Repórter – Exportação no agro ou geral das exportações?
SS – Só no agro.
Repórter – O senhor acha que tem espaço para negociação?
SS – Com toda certeza. Nós temos que fazer um cálculo de geração de emprego e renda. Nós não podemos olhar assim: “o setor rural, ele é um setor que tem benefícios em relação aos demais. Ele está sendo privilegiado”. Não, não é isso. Nós temos de olhar o seguinte: Como é que o mundo trabalha esta questão da produção de alimentos? O Brasil não dá importância ao produtor de alimentos como dá a Europa, como dá a China, os EUA… Nós aqui somos um pouco marginalizados neste nível. O Brasil é auto-suficiente e produzimos alimentos para mais de 1 bilhão de pessoas ao redor do planeta. Nós somos um exportador de alimentos. No entanto, aqueles que importam dão valor um pouco diferenciado. Se você vê o tamanho do subsídio que a Europa faz ao produtor rural é incomparável com o Brasil. O americano, por exemplo, o produtor de algodão americano tem um preço fixo. Se ele produziu a um valor que está na metade do mercado global, ele vai vender e o governo vai mandar um cheque pelo correio na casa dele a diferença. Como é que o produtor rural brasileiro consegue competir com isso? Nossos “subsídios”, as desonerações que há, são para incentivar a produção e isso gera emprego e renda. Por exemplo, só o complexo soja no Brasil gera cerca de 1,5 milhão de empregos de forma direta. Você imagina quando pega toda cadeia da indústria, do transporte, do serviço… Então, hoje o setor agro é o que mais gera emprego no Brasil e é um setor que tem crescido muito, inclusive com empregos de alto valor agregado. Nós temos de cuidar disso. Estados Unidos e a China começaram uma conversa esta semana e uma das revistas de circulação nacional publicou uma reportagem onde a China e os Estados Unidos começam uma tratativa para a comercialização de 30 bilhões de dólares em exportação China/Estados Unidos e o principal ponto é a soja. Isso vai ter reflexo aqui no Brasil? Com certeza. A soja vive o seu pior momento hoje no Brasil, pelo menos na história recente. Uma safra com quebras enormes, especialmente nos Estados do Centro-Oeste e Sul – como é o caso do Paraná, que tem uma quebra que chega a 25% – e um preço que chega a 20%, a 25% menor que na última safra. Isto trará uma dificuldade muito grande ao produtor rural. Imagina se nós tivermos aí uma dificuldade nas exportações brasileiras neste setor.
Repórter – A FPA acredita que conseguirá a palavra do governo federal no sentido de manter alguns subsídios ou o governo não conseguirá manter esses subsídios porque outros setores também vão perder?
SS – Veja só. Subsídio talvez não seja a palavra mais correta. Eu acho que teríamos de colocar uma palavra ou expressão como “ação de contribuição do Estado para defender um dos setores mais importantes da economia, que é o setor agro”. Nós estamos falando de relação comercial internacional. Será que nós temos aqui no Brasil as mesmas condições para produzir que se tem nos Estados Unidos, na Argentina? O custo de escoamento da safra no Brasil é cinco vezes maior do que na Argentina, do que nos EUA, que são nossos concorrentes diretos na produção do complexo soja, por exemplo. Porque eles têm uma posição geográfica diferente, têm mais ferrovias, têm uma série de mecanismos que levam a isso. O custo do escoamento da safra da soja chega a ser 20% do seu valor agregado. A questão dos impostos embutidos. Por exemplo, para você produzir na relação Mercosul. No Uruguai é metade do preço que custa no Brasil. Nós temos o problema do leite, que não há nenhum subsídio em relação ao leite. Nós trazemos leite do Uruguai a R$ 0,60 o litro – o equivalente porque ele vem em pó – enquanto que aqui no Brasil ele custa R$ 1,10 para produzir, segundo os dados da CONAB. Então, nós precisamos colocar aí um equilíbrio. Quando o Brasil tiver esse poder de competitividade, com igualdade de produção com o restante do planeta não temos nenhum problema. Eu, pessoalmente, sou contra subsídios, desde que haja igualdade de condições. Não dá para você desonerar 100% do equipamento agrícola para mandar para o Uruguai, para o produtor de lá produzir leite, e o nosso produtor aqui pagar 30%, 40%. É só ver o quanto custa uma ordenhadeira, um trator, uma grade, um arado aqui no Brasil e quanto é que custa esse mesmo equipamento fabricado no Brasil nos países do Mercosul.
Repórter – Deputado, pesquisa da CNT divulgada hoje mostra que a maioria dos brasileiros desaprovam a Reforma da Previdência. O senhor acredita que isso é em decorrência do texto que está duro demais, sobretudo na parte rural?
SS – Olha, o governo manda uma proposta geral, construída a muitas mãos pelo governo e cabe ao Parlamento, que é a representação da sociedade brasileira, lapidar e fazer um texto que atenda a todos. O Parlamento é uma diversidade. Ali nós temos representantes de todos os setores, de todas as categorias, e nós vamos construir um texto que atenda a todos. O que nós temos que entender é que a Reforma da Previdência é extremamente necessária. A Previdência hoje tem um déficit no orçamento em torno de R$ 170 bilhões ao ano. Os responsáveis por isso são vários setores. Como vai ser daqui a 12 anos, em 2030, com R$ 500 bilhões de déficit? De onde vai sair esse dinheiro? Do bolso do povo. O governo “não fabrica dinheiro”. Todo recurso que o governo gasta para pagar previdência ou qualquer outro benefício à sociedade vem do bolso do povo. Não tem outra forma. Então, quando você pega uma quantidade de recursos desta natureza, R$ 500 bilhões, e vai jogar só para manter a previdência… Você acha isso justo? Será que alguém não está pagando desleamente para suportar aqueles que recebem além do que é necessário? Eu diria o seguinte: A Reforma da Previdência é necessária, mas ela tem que vir para tratar os iguais de forma igual e os diferentes de forma diferente. Nós não podemos tratar todos de forma igual. Será que todos no Brasil, todas as categorias têm a mesma expectativa de vida? Vamos falar aqui do nosso produtor rural. A proposta muda de 15 para 20 anos de contribuição para ter acesso à aposentadoria. Eu diria que isso não é o principal ponto. O produtor rural quando mora lá na propriedade, com 7 ou 8 anos de idade, já começa a trabalhar. Eu venho da roça. Aos 8 anos eu já tinha uma enxadinha. Era o presente que a gente ganhava lá de aniversário. Era uma enxadinha, uma foice, um facão… Já era para ter atividade laboral na roça. Mas vamos colocar ali uma idade mais adequada: 12 anos. Eu duvido o filho de um produtor rural que não trabalhe aos 12 anos, mas a Previdência coloca aos 16 anos. Porque ninguém pode trabalhar antes dos 16. Se eu estou na propriedade rural da minha família, com 16 anos o que acontece? Eu começo a contribuir. Porque se eu ajudo na produção e é um percentual sobre o valor bruto da produção, que é o Funrural, que é a contribuição previdenciária rural, então eu comecei a contribuir. Lá aos 60 anos eu me aposentei. Quantos anos de contribuição? 44 anos de contribuição. E eu paro de contribuir? Não. Eu continuo trabalhando. O meu pai, o seu Jorge, ele tem 76 anos. Contribui. Está aposentado, mas continua contribuindo. E vai continuar contribuindo até morrer. A não ser que pare de trabalhar ou passe a propriedade. Ou seja, vai contribuir sempre. Então, é uma categoria que você tem que tratá-la diferente.
E qual é a expectativa de vida média de uma produtora rural? Aquela mulher que levanta cedo, tem tripla jornada – ela vai tirar leite, tratar das criações, ela vai cuidar da família, da casa, vai pra roça junto, pilota trator – qual a expectativa média dessa mulher? Se você colocar uma mulher de 50 anos, produtora rural, ao lado de uma mulher que vive no ar-condicionado, que trabalha no escritório da mesma idade, você vai ver que há uma diferença na aparência visual às vezes de década. Você acha que essa pessoa tem a mesma expectativa de vida? Você não acha que nós não temos de tratar os diferentes de forma diferente? Você vai pagar a mesma quantidade e receber até três vezes menos? A proposta da Frente Parlamentar da Agropecuária é tratar os diferentes de forma diferente e os iguais de forma igual.
Repórter – Com base na fala do senhor, então foi infeliz o comentário do presidente da Casa, Rodrigo Maia, dizer que o brasileiro hoje consegue trabalhar até os 80 anos.
SS – Olha, eu não conheço a fala do presidente Rodrigo Maia, mas vou dizer para você que eu conheço muitas pessoas que estão com 80 anos e trabalham muito. Por exemplo, eu não sei qual a idade do Odacir Klein (ex-ministro da Agricultura), mas deve ter pra frente de 70. Acabei de falar do meu pai, que tem quase 77 anos. Trabalha, monta cavalo, laça bezerro, vai pra roça e faz todas as atividades. Eu acho que muitos têm condições, outros claro que não. Vejo que se você pegar um cidadão que trabalha na construção civil, que carrega saco de cimento, que carrega feixe de ferro nas costas, será que com 65 anos ele vai conseguir fazer isso? Por isso, você precisa tratar os diferentes de forma diferente.